Como o streaming de vídeo mudou a animação adulta

Matéria traduzida do artigo de Philip Mak

As comédias de animação para adultos dominaram o horário nobre e as madrugadas da América do Norte nas últimas três décadas, impulsionadas, em grande parte, por emissoras tradicionais como Fox, Adult Swim e Comedy Central. Com a chegada do SVODS, na década de 2010, o tom e a direção dos desenhos animados começaram a mudar — como os casos dos retratos multifacetados e brutos sobre a saúde mental e o vício em “BoJack Horseman”, da Netflix.

Tendo estreado em 2014, “BoJack Horseman” galopou para que um novo grupo de produções animadas adultas não cômicas e de nicho pudessem ser realizadas – séries que estão cada vez mais colocando o “streaming” no zeitgeist dominante, de programas inspirados em musicais, como “Central Park”, à ação de terror de “Castlevania” e ao podcast exclusivo, útil e pan-dimensional de “Midnight Gospel”.

Em cada série, a animação é parte integrante da narrativa. BoJack Horseman captura processos internos de forma comovente, desde a perda de memória da mãe de BoJack, pela doença de Alzheimer, até a descida para psicose do personagem titular, impulsionada por opioides. O meio não serve apenas para descrever situações trágicas, como as suaviza, ao mesmo tempo que adiciona uma sensação de incredulidade. Da mesma forma, isso permite que adolescentes na puberdade, em Big Mouth, de repente, comecem a cantar com seus monstros hormonais ou que pratiquem violência pré-histórica horrivelmente sangrenta em “Primal”, de Genndy Tartakovsky.

Trailer da última temporada de BoJack Horseman, produzido pela Tornante Television, Boxer vs. Raptor e ShadowMachine.

É fato que os canais de streaming estão impulsionando a expansão rápida da animação adulta, seja ela cômica ou não. Uma pesquisa feita por um especialista do setor, John Evershed, da High Concentrate LLC, que produziu um artigo técnico de ampla circulação sobre o assunto, mostra que, das 103 séries animadas originais, 25 foram encomendadas pela Netflix e outras 17 pela HBO Max. A SVOD da HBO não está produzindo conteúdo apenas interno, mas, também comprando IPs existentes, tendo comprado os direitos de streaming de South Park por US$ 500 milhões.

Embora a comédia se saia bem com o grupo demográfico dos 18 aos 34 anos no mercado interno, Evershed observou que ela é muito específica culturalmente e nem sempre cativa o público internacional. Ele diz: “Uma série como Rick and Morty funcionará em mercados de língua inglesa, mas é um estilo bastante específico de comédia, que não se traduz tão bem em muitos outros mercados. No entanto, quando você começa a abordar coisas relacionadas a gênero, isso realmente começa a obter sucesso internacionalmente”.

Entre as comédias, aquelas com um lado de ficção científica parecem estar, especialmente, em alta no momento, gerando um interesse interdimensional e intergeracional por “Rick and Morty”. “Solar Opposites”, da Hulu, foi estreia de comédia original mais assistida do canal de streaming, enquanto a CBS decolou com “Star Trek: A Lower Decks”, e a Fox tem a série que será lançada, “Arquivos-X: Albuquerque”.

Remakes também estão em alta demanda, com uma nova classe de “Clone High” chegando à HBO Max, enquanto revivals de “Beavis and Butt-Head”, “Run & Stimpy” e um derivado de “Daria” também estão em andamento.

Trailer da quarta temporada de “Big Mouth”, produzido pela Danger Goldberg Productions, Good at Bizness, Inc., Fathouse Industries e Titmouse, Inc.

Como o criador de “Big Mouth”, Andrew Goldberg, aponta no Los Angeles Times que o streaming mudou, não apenas o tipo de animação que as pessoas consomem, mas também como elas consomem, especificamente, agora que podem assistir a tudo de uma vez. “Você faz 10 episódios de uma vez que devem ser assistidos em sequência, o que é legal e diferente. E poder colocar relacionamentos em séries é empolgante e uma das maneiras pelas quais encontramos histórias ainda mais comoventes, porque acompanhamos os relacionamentos ao longo de diferentes episódios”, afirmou Goldberg.

Enquanto sitcoms animadas como “The Simpsons” e “American Dad” normalmente apresentam episódios de 22 minutos com enredos independentes e piadas que atraem espectadores regulares e ocasionais em emissoras de televisão lineares. Os canais de streaming podem apresentar séries com histórias complexas que se estendem por temporadas inteiras. No mesmo artigo, o vice-presidente sênior de Originais da Hulu, Craig Erwich, observa que muitos espectadores assistem a episódios mais de uma vez, enquanto o diretor de operações da Amazon Studio, Albert Cheng, aponta que os desenhos adultos atraem Millenials mais jovens.

O alcance desse grupo demográfico está cada vez mais moldando a estratégia de conteúdo. Entre as próximas séries animadas adultas originais, a pesquisa de Evershed descobriu que 60% ainda são comédias. Em seguida, aparecem drama, ficção científica e ação. Pouco mais da metade são IPs originais (52,2%), enquanto 12,2% são baseados em programas de televisão existentes e 11,1% são originados de videogames, como “Witcher” e “DOTA”.

“A geração dos videogames cresceu assistindo a “cutscenes”, cenas em computação gráfica e personagens em mundos expansivos com histórias complexas. Os videogames são as maiores franquias de IP para o público de 14 a 34 anos. Eles ultrapassam os filmes. Essa tendência também fará a categoria geral de animação adulta crescer”, afirmou Evershed.

Este conforto adicionado a uma variedade maior de conteúdo pode ser o motivo pelo qual o público mais jovem está aberto à animação para adultos. Com centenas de milhões de fãs de videogames em todo o mundo, é fácil ver por que os estúdios estão expandindo essas histórias para além dos consoles e computadores.

Trailer da 4ª temporada de “Castlevania”, produzido pela Frederator Studios, Shankar Animation, Project 51, Powerhouse Animation e Mua Film.

Entre os videogames mais famosos que se transformaram em animação está “Castlevania”, produzido pela Powerhouse Animation em Austin, Texas. O estúdio é liderado por Brad Graeber, que também atua como produtor-supervisor na adaptação para a Netflix mencionada anteriormente. Quando sua equipe estava abordando a Frederator para trabalhar na série, eles usaram um trailer que criaram para um IP original que eles também fariam: “Seis Manos”.

A “Powerhouse” foi fundada há 20 anos, lançada com uma paixão pela animação tradicional, em uma época em que os filmes 2D ainda estavam em voga e nas telas do país, trabalhando no filme “Oito Noites de Loucura”, de Adam Sandler. No entanto, à medida que o 3D se tornava algo real nas bilheterias, Graeber e sua equipe passaram a fazer de tudo, desde conteúdos educativos até de videogame.

Enquanto fazia esse último, ele começou a desenvolver as habilidades de animação de ação da equipe.
“A indústria de animação tem sido reticente em fazer conteúdo adulto voltado para a ação há muito tempo. Então, quando a porta estava aberta, graças a produções como “Castlevania”, fomos com tudo para aproveitar a oportunidade e mostrar às pessoas que isso pode ser feito. Pensamos e falamos sobre isso há quase duas décadas e, finalmente, tivemos a chance de fazer algo do tipo”, disse Graeber.

O tipo de animação desenhada à mão necessária para criar conteúdo adulto baseado em ação é mais complexo do que a encenação simples de séries como “Family Guy”.

Por exemplo, para conseguir o movimento fluido de uma cena de luta, os artistas precisam fazer técnicas de “in-between”, detalhadas conforme os personagens se movem em perspectiva. Depois que esse canal e essas habilidades são desenvolvidos, as possibilidades são ilimitadas.

Além de “Castlevania”, Graeber e sua equipe estão ocupados, trabalhando durante o confinamento no IP original mencionado acima, Seis Manos, uma animação adulta de ação sobre órfãos mexicanos treinados em artes marciais – além da série “Masters of the Universe: Revelation”, remake de ”He-Man” para uma nova geração. Como era de se esperar, os três são para a Netflix.

Trailer da 1ª temporada de “Seis Manos”, produzido pela Powerhouse Animation Studios e Viz Productions.

Para aprimorar as habilidades de animação de ação da equipe, Graeber conta com especialistas em artes marciais para responder perguntas e fazer sessões de coreografia de lutas filmadas pelos artistas de storyboard. Dito isso, quando se trata de combate e sangue, ele acredita que isso só deve ser incluído nas próximas histórias. Com possibilidades mais amplas em animação, qual será o limite?

“Contanto que você acrescente algo à história, vale quase tudo. Não somos um estúdio que produz “torture porn”, então nunca faremos nada apenas para ser bizarro, mas há uma diferença entre violência na animação e violência na ação ao vivo. Além disso, há um pouco de dissonância cognitiva com a qual brincamos nessas peças, especialmente, porque o público doméstico não está acostumado a ver o nível de violência de animações do exterior”, diz Graeber.

Como Graeber aponta, a ação animada para adultos já é amplamente popular fora da América do Norte, com o anime japonês sendo o exemplo mais proeminente. Ele acredita que a geração de Millenials, que cresceu assistindo a versões dubladas desse conteúdo de desenhos não cômicos, pode ter aberto o caminho para séries criadas domesticamente, como “Castlevania” e “Seis Manos”.

Então, qual é a próxima tendência para a animação adulta? Evershed acha que ela continuará a ficar cada vez mais específica: “Eu vejo ela se mantendo por um período mais longo na ação, no drama ou no terror puro. Teremos alguns exemplos de gêneros mais simples que, de outra forma, veríamos em animes japoneses, sendo escritos, produzidos e criados por criadores de histórias do Ocidente”.
Dadas as evidências do ano passado, se os canais de streaming distribuírem, os espectadores virão.


Podemos concluir que o mundo da animação não é algo só para crianças, não é mesmo? Esse conceito tem sido deixado de lado a cada dia que passa e a indústria de Mídia e Entretenimento no Brasil também precisa ficar atenta a esse movimento,a final, uma consequência disso é o aumento de produções de animações no país.

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Escrito por

Bruna Martins

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