Por que os criadores e o público são atraídos por conteúdos curtos?

Artigo traduzido do projeto ‘Animation From Every Angle’ da Toon Boom Animation.

Há uma mudança de comportamento entre os criadores e seus públicos e, junto a isso, um novo foco em conteúdos curtos. As grandes plataformas estão fazendo suas apostas e novos serviços estão surgindo, como “Facebook Watch”, “Snap Originals” e “YouTube Originals”.

Conforme assistimos mais streamings no lugar de transmissões programadas, nos afastamos cada vez mais dos blocos entre meia e uma hora de duração que costumavam definir a televisão, e nos encaminhamos para um lugar mais dinâmico. Em resposta a isso, as emissoras estão experimentando mais com o formato, abrindo oportunidades para uma variedade maior de vozes e talentos. Será que os executivos de TV e cinema estão de olho em criadores de curtas-metragens em redes sociais para estruturar a próxima geração de showrunners?

Nesse caso, eles fariam bem em começar a busca pelo TikTok. O app de compartilhamento de vídeos, que permite vídeos com um minuto de duração, foi o mais baixado de 2020 e tem, no momento, 850 milhões de usuários. O apelo da plataforma vem da habilidade de hospedar humor situacional. Vemos momentos reais se desenrolando, bem como consequências e interações reais. Uma infinidade de cenários limitados apenas pela imaginação dos criadores de conteúdo. O público acha isso identificável e acessível, criando uma cultura viva e vibrante que os formatos tradicionais têm dificuldade para acompanhar.

Por exemplo, o Quibi, uma plataforma de vídeos curtos que arrecadou US$ 1,75 bilhão, desistiu depois de um início complicado. O elenco de estrelas da plataforma, os altos valores de produção e o conteúdo serializado não conseguiram se conectar com o público, diferente do conteúdo criado pela comunidade no TikTok que obteve sucesso.

O que o público moderno deseja então? Basta considerar o ano que tivemos e algumas coisas ficam claras. Com o contato humano desencorajado e as filmagens live-action quase impossíveis de serem realizadas por muitos meses, uma grande lacuna foi deixada na cultura que consumimos. Coletivamente, desejamos distração e entretenimento para manter nossas mentes distantes dos assuntos mais sérios.

Os animadores estão entre os artistas que se destacaram, mantendo-nos cativados com pequenos momentos de diversão e familiaridade e lembrando-nos de rir de vez em quando. Por esse serviço, alguns deles conquistaram seguidores ávidos e chegaram aos milhões. Conversamos com alguns dos artistas que estão encontrando o sucesso nas redes sociais graças aos formatos curtos. Discutindo de tudo, desde influências ao humor na Internet, ouvimos como eles aproveitam as plataformas em que estão no mundo mais amplo da animação.

TikTok: @king.science  

King Science passou um tempo nas Forças Armadas dos EUA praticando disciplina e direção. No entanto, não era uma carreira em uma área que ele queria. “Eu sabia que tinha que trabalhar duro para chegar ao sucesso que queria”, disse ele em uma videochamada. “Quando entrei para o exército, sabia que, depois de meus quatro anos aqui, eu teria cerca de um milhão de seguidores em algo. Então, quando eu saísse, eu continuaria isso”. Para Science, “isso” seria a animação, e ele começou a aprender sobre a arte e a projetar um personagem para atuar como a peça central.

Science usou o personagem para documentar partes da própria vida: desde ocorrências cotidianas (desentendimentos com a mãe ou flertar com alguém) até assuntos mais sérios, como comparecer aos protestos do “Black Lives Matter”. Por meio dessa narrativa, Science encontrou popularidade com rapidez e atingiu o objetivo. O TikTok dele atingiu a marca de um milhão de seguidores em apenas dois meses, antes de um rápido aumento para nove milhões que fez com que o jovem de 21 anos tivesse conversas com grandes estúdios e fosse reconhecido enquanto caminhava pela vizinhança.

“Quando a comunidade de animação chamou minha atenção no YouTube, não foi necessariamente a animação que me prendeu.”, Science relembra os canais e criadores de conteúdo que ele assistia na adolescência.

O ritmo da comédia no YouTube era mais engraçado para mim. Eles eram muito mais contundentes. A comédia na Internet é muito diferente do que você vê na TV.

King Science

Como muitos em sua geração que já nasceram no mundo digital, Science foi atraído pela liberdade criativa que as redes sociais ofereciam. “O YouTube deixa você com mais controle criativo, o que significa mais risco. Eu via coisas e pensava: ‘Você tem permissão para dizer isso?’ Mas era muito engraçado mesmo.”.

TikTok: @king.science  

Ter uma plataforma para publicar ideias e acessar um público livremente apresentou uma oportunidade na qual a TV tradicional ficou aquém, o que foi atraente para jovens criadores de conteúdo e deu origem a uma cultura de comédia curta e mordaz, agora conhecida como “humor da Internet”. Um catálogo em constante evolução que foi reproduzido em plataformas como YTMND, Newgrounds, YouTube, Vine, Twitter, 9Gag, Snapchat e agora, o extremamente popular, TikTok. King Science e sua rede de amigos animadores, artistas e comediantes estão entre essas novas estrelas.

“O TikTok tem funcionado e ainda não me decepcionou”, disse Science. “Se eu tivesse parado nos dois milhões e depois voltado ao YouTube, não teria chegado aos quase nove milhões de seguidores que tenho agora. É preciso continuar pressionando aquele botão que dá o que você precisa até que ele não funcione mais.” Science dá uma resposta calculada sobre porque o conteúdo dele, em particular, repercute de maneira tão forte com o público.

Isso não é por acaso; ele é confiante e conciso sobre o que cada conteúdo precisa ter para funcionar: “Sempre tenho um objetivo exato em relação ao meu conteúdo e me certifico de que ele seja melhor do que o que acho que qualquer outra pessoa possa fazer em uma semana. Esse período, esse som, essa tendência. Executados na hora certa, melhor do que qualquer outra pessoa.”.

Embora ele saiba o que está fazendo, Science fala sobre o assunto de uma maneira despreocupada e casual que faz tudo parecer fácil: “Sempre que publico algo, apenas combino coisas que gostei e que vi outras pessoas gostarem!”.

Science aponta para outro truque inteiramente testado e comprovado para explicar seu sucesso: baseado vagamente em si mesmo, o personagem de Science ostenta uma roupa de marca na cor creme com capuz, um jeans e uma coroa de desenho animado. Isso oferece uma âncora identificável que permite que ele vagueie e explore outros assuntos da própria vida, como insônia ou mudança de casa: “Acompanhar um personagem é muito fácil. Dos meus anos assistindo ao YouTube, fica claro que as pessoas gostam de acompanhar um personagem. Então decidi definir um personagem.”

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Outro artista que entende o apelo do adorável personagem é John McLaughlin, que vive no Brooklyn. Os “fuzzy dudes” (caras felpudos) dele habitam ambientes visuais impressionantes que ele cria e compartilha com os 56 mil fãs que possui no Instagram. Muitas vezes retratados dançando ao som de música pop moderna e em ambientes 3D brilhantes, os personagens são um colírio para os olhos.

“O mundo do Fuzzy Dude nasceu do meu interesse e amor pelo design de personagens, mas a inspiração por trás das minhas animações varia muito e muda frequentemente”, disse John, que é rápido em citar seu coelho Pepper como a fonte primária. Uma razão pela qual John é atraído para o formato curto é a própria capacidade de atenção. Ele disse que está sempre “subconscientemente atendendo” à possibilidade de se distrair e passar para a próxima coisa. Ele entende que o público dele pode estar fazendo o mesmo: “Você está renderizando para uma tela menor, na qual as pessoas olham para ela por talvez meio segundo antes de rolar para a próxima imagem.”

John acredita que, apesar da aparência alienígena, os personagens atraem as pessoas devido a um sentimento de familiaridade e humanidade. Ele compara a ação de assisti-los à sensação de assistir a reprises da série infantil “Vila Sésamo” (1972), explorando a corrente de nostalgia que impulsiona muitas tendências das redes sociais. Questionado se as redes sociais abriram portas para ele como artista, John elogiou rapidamente o poder delas conectarem as pessoas ao trabalho dele.

“Muito importantes. Minha primeira grande colaboração artística foi pelo Tumblr. Fiz uma parceria com eles como criador de conteúdo para a “New York Fashion Week”. Desde então, muito trabalho veio por meio de mensagens no direct do Instagram e da descoberta geral da plataforma.”. Por meio desses canais de descoberta, John trabalhou para marcas importantes, como a Nike, uma experiência pela qual ele é grato: “Quando se trata de trabalhar com marcas maiores, minha experiência tem sido só positiva.”.

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Navegar pelas redes sociais, em geral, está se tornando mais complicado, com muitas plataformas tendo formatos e códigos exclusivos. É preciso conseguir se adaptar a diferentes canais.

“O importante é a adaptação”, disse King Science. “Isso é novo para mim, eu normalmente nunca faço vídeos supercurtos, então isso está me ajudando bastante com o ‘timing’ cômico e os recursos visuais. Quando eu voltar a fazer vídeos de formato longo, será muito difícil desligar esse pensamento.”.

Com nossa cultura moderna de “feeds” e de conteúdos que podemos simplesmente passar direto, não é surpreendente que o ‘timing’ e a entrega sejam de extrema importância para ele e outros criadores de conteúdo na plataforma: “No TikTok, as pessoas podem deslizar a tela. Se elas podem fazer isso e assistir a outro vídeo, você precisa chamar a atenção deles ou eles irão embora.”.

Cada plataforma também traz problemas técnicos que são únicos. Um dos maiores problemas que John McLaughlin encontra é “lidar com a compactação de arquivos e aprender a adotá-la” e aceitar que, embora você possa ter renderizado algo “em um monitor grande em que você vê cada pequeno detalhe e consegue que fique perfeito”, o mesmo nível de detalhe nem sempre será notado pelo público em um smartphone.

“Às vezes, não gosto da proporção”, King Science descreve a experiência dele com o dimensionamento para as telas de dispositivos móveis, “Porque haverá cenas em que me pergunto: ‘Por que o teto tem que ser tão alto?’ ou ‘Não sei como enquadrar isso com dois personagens’. Mas já me acostumei a isso.” Para ele, as escolhas muitas vezes resumem-se a questões práticas. Como uma roupa de animação para uma pessoa, o formato curto do TikTok faz sentido neste estágio da carreira dele.

Sou uma pessoa só animando até conseguir uma equipe, então, é o mais lógico a se pensar.

King Science

Para realmente entender a cultura moderna de vídeos curtos, é interessante voltar ao Vine. O app de compartilhamento de vídeos de seis segundos era resumido em poucas palavras. O humor da Internet engarrafado em sua essência mais pura e disseminado na velocidade da luz. O Vine foi extinto em 2017, mas aceita-se que a plataforma deu os primeiros passos para que o TikTok pudesse funcionar. Com um limite de tempo tão estreito para os clipes, as preocupações com o contexto, a narrativa e os detalhes ficavam em segundo plano. ‘Timing’, entrega e energia era o que impulsionava os criadores de conteúdo.

O Vine produzia momentos virais novos aparentemente todos os dias, que se popularizavam como se fossem tendências populares em parques. Isso deu origem a um estilo de humor tão distinto que, até hoje, alguns espectadores no TikTok marcarão os momentos de humor mais satisfatórios ou irreverentes como “influência do Vine”. Compreender o DNA de um Vine pode ser fundamental para desvendar a enorme popularidade de seu sucessor e pode oferecer algumas pistas sobre o porquê de estarmos cada vez mais nos movendo em direção a uma cultura de entretenimento de formato curto.

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“Essa área das redes sociais é diferente de outras mídias convencionais, como os filmes tradicionais”, contou por e-mail Wahyu Ichwandardi, conhecido pelos fãs como Pinot. “Então, quando o Vine foi lançado em 2013 com suas limitações, como duração de seis segundos e o recurso de publicar apenas vídeos gravados no aplicativo, vi uma oportunidade de criar um público novo com um tipo novo de narrativa.”.

O trabalho de Pinot no Vine incorporou esboços desenhados à mão, animados e, depois, colocados ao lado de cenários reais. A interação entre elementos reais e desenhados cria uma sensação curta e satisfatória de ação em cada Vine. “Com essas plataformas de vídeo novas, como TikTok ou Byte, agora posso criar pequenas animações sozinho, em um tempo de produção curto, para um público de centenas ou milhares de pessoas.”.

Hoje, o Vine é coisa do passado, e Pinot é mais ativo no Instagram e no TikTok, onde compartilha experimentos e trabalhos realizados em mídia mista com quase meio milhão de seguidores. Ele contou pensamentos interessantes sobre como a linguagem visual da Internet mudou desde a época do Vine e antes disso: “O Instagram e outras plataformas de vídeo são locais em que podemos ver como o conteúdo e o público evoluem ao longo do tempo. Todo o conteúdo animado que vemos, como memes, emojis e GIFs, são as ferramentas de conversação do público moderno. Cada conteúdo animatic e cada animação em pixel art que faço também serve como uma ferramenta de conversação para esse público.”.

O trabalho mais recente de Pinot explora várias linguagens visuais e, recentemente, incorporou a pixel art usando uma variedade de dispositivos de hardware antigos, como computadores Macintosh e telefones Nokia. Nesta era da Nostalgia do Futuro, o uso que ele faz de desktops corporativos na cor bege e telefones “tijolões” exala o tipo de fator retrô que se traduz bem na cultura atual bastante estetizada das redes sociais. Como a “tecnologia antiga” das Máquinas Mortais de Phillip Reeve, valorizada pelo conhecimento científico e tecnológico perdido, a tecnologia de nosso próprio passado muitas vezes serve como um artefato cultural precioso para quem a descobre pela primeira vez. Pinot chama esse estilo de “low-tech” (baixa tecnologia).

“O conteúdo de pixel art é basicamente todos os meus projetos e ideias inacabados de infância”, explicou. “Agora, tenho a chance de continuar esses projetos, porque o antigo estilo ‘low-tech’ tornou-se uma estética nova e ganhou uma apreciação única.”. Na animação que produz, Pinot cria uma espécie de truque em que vemos a cultura pop moderna e os memes mostrados nas telas pixeladas desses primeiros dispositivos da era da Internet.

https://www.instagram.com/p/Bk0-6HKHGQ_/?utm_source=ig_embed&ig_rid=04fd9af6-5932-4560-9748-5d53a998a778

Para mim, o projeto não é apenas uma jornada pela nostalgia, mas também uma lição de história da tecnologia para meus filhos.

Pinot

Para Pinot, olhar para trás é uma parte importante do avanço da cultura. “Eles se juntaram a mim como equipe quando criamos um lyric vídeo para a banda Twenty One Pilots com um software antigo em um computador Macintosh.”. Outra obra ‘low-tech’ com Macintosh que Pinot realizou em homenagem a This Is America, do cantor Childish Gambino, viralizou em 2018.

Apesar de todas as vantagens, é possível ver essa explosão de formatos curtos como um sintoma da era do excesso de informações. Abundam as teorias sobre períodos de atenção reduzidos e, em média, uma pessoa percorre 91 metros de conteúdo on-line todos os dias. É possível se perguntar se estamos perdendo nossa capacidade de nos concentrar nas coisas de maneira significativa. E os animadores? Devem estar cientes disso durante o trabalho? Os criadores de conteúdo com quem conversamos deram respostas otimistas.

“A animação proporciona imaginação melhor do que outras mídias”, sugere Pinot. “A animação curta nas redes sociais tem um pacote completo: expressão, visual, áudio, movimento, história, cor. Mesmo nesta era de pouca atenção das redes sociais.”

Para o King Science, muito disso resume-se ao meio em que isso é fornecido. “Não acho que a capacidade de atenção das pessoas esteja diminuindo”, disse. “A maneira como eu começaria um TikTok não é a forma como começaria um vídeo do YouTube ou uma série da Netflix. Porque a capacidade de atenção das pessoas é diferente em cada plataforma. Em cada meio, nosso cérebro percebe o que está fazendo, e respondemos a isso.”.

John McLaughlin termina abordando outro grande problema da era das redes sociais: saúde mental e a ansiedade que pode surgir ao compartilhar o trabalho e comparar sua carreira com a de outras na Internet. “Tente não ficar muito preso ao que os outros estão fazendo, comparando sua experiência com a deles. Não importa o que você veja, todos têm as próprias dificuldades e tiveram que começar de algum lugar.”. Este é um conselho sábio para quem deseja compartilhar a própria jornada e criar um público on-line: a importância de seguir o próprio ritmo e não se deixar desanimar por começar aos poucos.

“Muitas vezes, mesmo que pareça que um artista conseguiu sucesso e está fazendo projetos enormes, ele está lutando nos bastidores ou trabalhando muito duro para seguir”, continuou John. “Olhe para o trabalho, inspire-se, mas, no fim das contas, seja você.”.

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